domingo, 15 de março de 2009

Victor Hugo

Desejo primeiro que você ame,
E que amando, também seja amado.
E que se não for, seja breve em esquecer.
E que esquecendo, não guarde mágoa.
Desejo, pois, que não seja assim,
Mas se for, saiba ser sem desesperar.
Desejo também que tenha amigos,
Que mesmo maus e inconseqüentes,
Sejam corajosos e fiéis,
E que pelo menos num deles
Você possa confiar sem duvidar.
E porque a vida é assim,
Desejo ainda que você tenha inimigos.
Nem muitos, nem poucos,
Mas na medida exata para que, algumas vezes,
Você se interpele a respeito
De suas próprias certezas.
E que entre eles, haja pelo menos um que seja justo,
Para que você não se sinta demasiado seguro.
Desejo depois que você seja útil,
Mas não insubstituível.
E que nos maus momentos,
Quando não restar mais nada,
Essa utilidade seja suficiente para manter você de pé.
Desejo ainda que você seja tolerante,
Não com os que erram pouco, porque isso é fácil,
Mas com os que erram muito e irremediavelmente,
E que fazendo bom uso dessa tolerância,
Você sirva de exemplo aos outros.
Desejo que você, sendo jovem,
Não amadureça depressa demais,
E que sendo maduro, não insista em rejuvenescer
E que sendo velho, não se dedique ao desespero.
Porque cada idade tem o seu prazer e a sua dor e
É preciso deixar que eles escorram por entre nós.
Desejo por sinal que você seja triste,
Não o ano todo, mas apenas um dia.
Mas que nesse dia descubra
Que o riso diário é bom,
O riso habitual é insosso e o riso constante é insano.
Desejo que você descubra ,
Com o máximo de urgência,
Acima e a respeito de tudo, que existem oprimidos,
Injustiçados e infelizes, e que estão à sua volta.
Desejo ainda que você afague um gato,
Alimente um cuco e ouça o joão-de-barro
Erguer triunfante o seu canto matinal
Porque, assim, você se sentirá bem por nada.
Desejo também que você plante uma semente,
Por mais minúscula que seja,
E acompanhe o seu crescimento,
Para que você saiba de quantas
Muitas vidas é feita uma árvore.
Desejo, outrossim, que você tenha dinheiro,
Porque é preciso ser prático.
E que pelo menos uma vez por ano
Coloque um pouco dele
Na sua frente e diga "Isso é meu",
Só para que fique bem claro quem é o dono de quem.
Desejo também que nenhum de seus afetos morra,
Por ele e por você,
Mas que se morrer, você possa chorar
Sem se lamentar e sofrer sem se culpar.
Desejo por fim que você sendo homem,
Tenha uma boa mulher,
E que sendo mulher,
Tenha um bom homem
E que se amem hoje, amanhã e nos dias seguintes,
E quando estiverem exaustos e sorridentes,
Ainda haja amor para recomeçar.
E se tudo isso acontecer,
Não tenho mais nada a te desejar.

não há jardineiros para os homens .... Saint Exupéry


“Levantei-me. Pela uma da madrugada corri os carros, de ponta a ponta. Os vagões- dormitório estavam vazios. Os vagões de primeira classe estavam vazios. Mas os vagões de terceira classe estavam cheios de centenas de operários poloneses despedidos da França, que voltavam para a sua Polônia.Caminhei pelo centro do carro, levantando as pernas para não tocar nos corpos adormecidos. Parei para olhar. De pé, sob a lâmpada do carro, contemplei naquele vagão sem divisões, que parecia um quarto gigantesco, que cheirava à caserna e à delegacia, toda uma população confusa, sacudida pelos movimentos do trem. Toda uma população mergulhada em sonhos tristes, que regressava para a sua miséria.(...) assim, eles me pareciam ter perdido um pouco a qualidade humana, sacudidos de um extremo a outro da Europa pelas necessidades econômicas (...)Uma criança chupava o seio de sua mãe que, de tão cansada, parecia dormir. A vida, transmitia-se assim, no absurdo e na desordem daquela viagem. Olhei para o pai. Um crânio pesado e nu como uma pedra. (...) Aquele homem parecia um monte de barro.E eu pensei: o problema não reside nessa miséria, nem nessa sujeira, nem nessa fealdade. O mistério está nisso: eles terem se tornado esses montes de barro. Por que terrível molde terão passado, por que estranha máquina de entortar homens? Um animal, ao envelhecer, conserva a sua graça. Por que a bela argila humana se estraga assim?(...) Sento-me diante de um outro casal. Entre o homem e a mulher, a criança se havia alojado, e dormia. Voltou-se porém, no sono. E seu rosto me apareceu sob a luz da lâmpada.Ah, que lindo rosto!Havia nascido daquele casal uma espécie de fruto dourado. Daqueles pesados animais – pensei – havia nascido um prodígio de graça e encanto.Inclinei-me sobre a fronte lisa, a pequena boca ingênua. E disse comigo mesmo: eis a face de um músico! Eis Mozart, criança! Eis uma bela promessa de vida!Não são diferentes dessa criança, os belos príncipes das lendas!Se protegido, educado, cultivado, que não seria ela? Quando, por mutação, nasce nos jardins uma nova rosa, os jardineiros se alvoroçam: a rosa é isolada, é cultivada, é favorecida. Para que possa se desenvolver e desabrochar.Mas, não há jardineiros para os homens .... ”.

Artesão no Sereno .[em "Faz escuro mas eu canto", de 1965, de Thiago de Mello]

Não convém embrulhareste brinquedo feitode amor. Pode estragar,pode mudar de cor,mudar de rumo, deixem,que ele precisa de ar.E de resto ele foifeito para meu filhoque é pessoa singelae sensível, não vaigostar de ver orvalhoe ternura embrulhados.Feito para o meu filho,pode ser para o filhode qualquer um, por issonão convém que ele sejalevado em mão ao dono,que não tem pressa; um dia,os correios do ventoacharão sua casa.Este brinquedo podee pede levar sol.Mal sol da manhãzinha.O da tarde não serveporque altera os azuis.Não disse o azul geral.Sei a que azuis refiro,sei que azuis usei.Brinquedossão peças mui delicadasde um modo geral, até osnobres cavalos que pobrescrianças tiram de vassouras.Quanto mais esses brinquedosque devem, depois de feitos,ou para que fiquem feitos,adormecer muitas noitesno sereno da janela.Só quem fabrica é quem sabe(ou então não sabe nunca)as infinitas maneirase desmaneiras do ofício,a total falta de leipara compor o mais simples,se é que todos não são simples,desses brinquedos de amor,feitos de tudo, inclusivede palavras que, ao finalde contas, são o de menos.Mas não sei de teorias,minha vida é fabricaro que não sei, fabricandoo amor no amor por amordos brinquedos, meus brinquedos,ai, meu Deus, vou trabalhar,que o sereno hoje está bom

Instantes


Se eu pudesse novamente viver a minha vida,na próxima trataria de cometer mais erros.Não tentaria ser tão perfeito,relaxaria mais, seria mais tolo do que tenho sido.Na verdade, bem poucas coisas levaria a sério.Seria menos higiênico. Correria mais riscos,viajaria mais, contemplaria mais entardeceres,subiria mais montanhas, nadaria mais rios.Iria a mais lugares onde nunca fui,tomaria mais sorvetes e menos lentilha,teria mais problemas reais e menos problemas imaginários.Eu fui uma dessas pessoas que viveu sensatae profundamente cada minuto de sua vida;claro que tive momentos de alegria.Mas se eu pudesse voltar a viver trataria somentede ter bons momentos.Porque se não sabem, disso é feita a vida, só de momentos;não percam o agora.Eu era um daqueles que nunca iaa parte alguma sem um termômetro,uma bolsa de água quente, um guarda-chuva e um pára-quedas e,se voltasse a viver, viajaria mais leve.Se eu pudesse voltar a viver,começaria a andar descalço no começo da primaverae continuaria assim até o fim do outono.Daria mais voltas na minha rua,contemplaria mais amanheceres e brincaria com mais crianças,se tivesse outra vez uma vida pela frente.Mas, já viram, tenho 85 anos e estou morrendo.[há controvérsias sobre a autoria deste texto: Nadine Stair, em releituras ou de Don Herold conforme histórico publicado no Jornal da Poesia.com ilustração: Liniers]

Você é o que ninguém vê. [Martha Medeiros]

Você é os brinquedos que brincou, as gírias que usava, você é os nervos a flor da pele no vestibular, os segredos que guardou, você é sua praia preferida, Garopaba, Maresias, Ipanema, você é o renascido depois do acidente que escapou, aquele amor atordoado que viveu, a conversa séria que teve um dia com seu pai, você é o que você lembra. Você é a saudade que sente da sua mãe, o sonho desfeito quase no altar, a infância que você recorda, a dor de não ter dado certo, de não ter falado na hora, você é aquilo que foi amputado no passado, a emoção de um trecho de livro, a cena de rua que lhe arrancou lágrimas, você é o que você chora. Você é o abraço inesperado, a força dada para o amigo que precisa, você é o pelo do braço que eriça, a sensibilidade que grita, o carinho que permuta, você é as palavras ditas para ajudar, os gritos destrancados da garganta, os pedaços que junta, você é o orgasmo, a gargalhada, o beijo, você é o que você desnuda. Você é a raiva de não ter alcançado, a impotência de não conseguir mudar, você é o desprezo pelo o que os outros mentem, o desapontamento com o governo, o ódio que tudo isso dá, você é aquele que rema, que cansado não desiste, você é a indignação com o lixo jogado do carro, a ardência da revolta, você é o que você queima. Você é aquilo que reinvidica, o que consegue gerar através da sua verdade e da sua luta, você é os direitos que tem, os deveres que se obriga, você é a estrada por onde corre atrás, serpenteia, atalha, busca, você é o que você pleiteia. Você não é só o que come e o que veste. Você é o que você requer, recruta, rabisca, traga, goza e lê. Você é o que ninguém vê.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Cora Coralina

Saber Viver

Não sei...
Se a vida é curta
Ou longa demais pra nós,
Mas sei que nada do que vivemos
Tem sentido,
se não tocamos o coração das pessoas.
Muitas vezes basta ser:
Colo que acolhe,
Braço que envolve,
Palavra que conforta,
Silêncio que respeita,
Alegria que contagia,
Lágrima que corre,
Olhar que acaricia,
Desejo que sacia,
Amor que promove.
E isso não é coisa de outro mundo,
É o que dá sentido à vida.
É o que faz com que ela
Não seja nem curta,
Nem longa demais,
Mas que seja intensa, Verdadeira, pura...
Enquanto durar.